O POETA DO CÉU E SUA VIAGEM RUMO ÀS ESTRELAS - por NELSON TRAVNIK.
10/06/2022
O POETA DO CÉU E SUA VIAGEM RUMO ÀS ESTRELAS
por Nelson Travnik*
Numa manhã ensolarada onde a vida irradiava nas flores e nos cantos dos pássaros, Nicolas Camille Flammarion levantou-se de sua mesa em que trabalhava com seu sobrinho Charles e aproximou-se da janela para contemplar o belo jardim do seu Observatório de Juvisy. Gabrielle Camille Flammarion, nascida Renaudot (1877-1962), sua dedicada esposa acompanhou-o e ele sentindo sua presença, murmurou balanceando a cabeça encanecida: “Como é belo o mundo!”, “Como é bela a vida!”. Depois voltou-se e olhou-a carinhosamente. De repente seu rosto crispou-se e ele disse apenas “meu coração” e em seguida “que mistério é a vida, que mistério é a morte”. Tombou nos braços de Gabriele aos 83 anos, 3 meses, 8 dias e às 16 horas do dia 3 de junho de 1925 sem nenhum sofrimento.
Poucos minutos antes corrigira as provas do seu último livro “A Morte e seu Mistério”. Todos os anos no dia 3 de junho, membros da Sociedade Astronômica da França, SAF, e admiradores reúnem-se a volta de seu túmulo no jardim do Observatório, reverenciando sua memória e a grande contribuição a Astronomia que propiciou através de suas obras, o maior número de mentes voltadas ao estudo do céu. Como Prometeu, seu intuito era trazer ao homem comum, as luzes do céu e do conhecimento. Quase todos os astrônomos daqueles tempos, amadores e profissionais, foram mesmo sem pressentir “crias” de Flammarion. Amou também a música com tamanha devoção a ponto do grande compositor e amigo, Camille Saint-Saëns, declarasse um dia que o astrônomo estava a lhe fazer concorrência.
Em 1874 se casou com Sylvie Camille Flammarion, nascida Petieux Hugo (1836-1919), sobrinha de Victor Hugo. Após seu falecimento em 23 de fevereiro de 1919 devido a gripe espanhola, contraiu núpcias com Gabrielle, sua secretária na SAF que veio a falecer em 27 de outubro de 1962. O “Poeta do Céu”, o “Mestre de Juvisy” não teve filhos.
Entre seus grandes admiradores estavam o imortal Victor Hugo (1802-1885); o grande músico Camille Saint-Saëns (1835-1921), os imperadores Napoleão III da França (1808-1873) e D. Pedro II do Brasil (1825-1891), a rainha Marie da Romênia (1875-1938) bem como Alberto Santos Dumont (1873-1932), astrônomo amador e Pai da Aviação.
Em 1878 publicou seu Catálogo de Estrelas Duplas por muito tempo considerado o melhor do mundo! Em 1879 surge a primeira edição do seu livro “Astronomie Populaire”, sua grande obra que lhe valeu o prêmio ‘Montyon’ concedido pela Academia Francesa. O livro foi reeditado em 1955 sob direção da sua esposa Gabrielle Camille Flammarion e de André Danjon, diretor do Observatório de Paris. Em março de 1882 fundou a revista L’ Astronomie’ que existe até hoje, 140 anos! Uma efeméride difícil de ser igualada. Em 29 de julho de 1887, com a presença do Imperador do Brasil, D. Pedro II especialmente convidado, inaugurou o seu Observatório de Juvisy. Coube a nosso Imperador com uma observação do planeta Vênus inaugurar a grande luneta Bardou de 24 cm. Na ocasião concedeu a Flammarion a ‘Ordem da Rosa”. Nesse mesmo ano fundou a Sociedade Astronômica da França, SAF, ainda uma das mais ativas do mundo com 135 anos de existência e milhares de sócios em todo o planeta. Minha filiação como Membro Titular é de nº 21.080, ano 1959.
Flammarion escreveu 55 obras de ciência, filosóficas, Atlas Celeste, Carta Celeste, Planisfério Móvel, Carta Geral da Lua, Cartas Astronômicas e confeccionou Globos da Lua e de Marte. Para ele, o conhecimento do Universo está ligado a filosofia e ele deixou isso bem claro em seu livro “A Pluralidade dos Mundos Habitados”. É curioso atentar para o sobrenome ‘Flammarion’: Na letra e significado galo-romana é “aquele que leva a luz”. E realmente levou a luz das estrelas a milhões de pessoas. “O corpo passa. A alma vive no infinito e na Eternidade”. (C. Flammarion).
*Nelson Travnik é astrônomo voluntário no Museu Aberto de Astronomia (MAAS), de Campinas, e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.