Em Campinas há 24 anos, o gelo que veio do espaço - por Nelson Travnik.
C I Ê N C I A
Nelson Travnik
EM CAMPINAS HÁ 24 ANOS, O GELO QUE VEIO DO ESPAÇO
Na manhã do dia 11 de julho de 1997, Campinas foi palco de um fato insólito, único talvez no mundo. Nesse dia, entre 6h45 e 7 horas, um bloco de gelo atingiu o telhado da montadora Mercedes Benz. Segundo pesquisadores do Centro de Pesquisas em Agricultura e Meteorologia , Cepagri, da Unicamp, que foram ao local, baseados nas informações de funcionários da empresa, o bloco de gelo pesava cerca de 300 quilos quebrando telhas de amianto com suporte de ferro , abrindo um buraco de 2,5 metros e amassamento em uma porta de aço. A equipe da Unicamp composta de Jurandir Zullo Jr e Giampaolo Queiroz Pelegrino, recolheu restos do bloco em um recipiente de isopor, sendo a fração maior do tamanho de um saco de arroz de cinco quilos. Baseados nesses dados, o objeto ao entrar em atrito na alta atmosfera terrestre a uma velocidade de 35/45 mil quilômetros por hora, provocou temperatura que podem ter chegado a 600 graus centígrados ! Cálculos indicam que seu tamanho original possa ter sido comparável a um prédio de 7 andares ! No momento da queda o céu estava limpo, sem nuvens e a hipótese de que o gelo teria se desprendido da fuselagem de um avião que ocorre as vezes quando está acima de 6/7 mil metros foi descartada devido ao tamanho do bloco. O bloco de gelo veio pois do espaço. As análises preliminares confirmaram que era constituído predominantemente de água tendo sido encontrados bolhas de gás e partículas sólidas de carbono, cálcio, ferro, cromo, manganês, níquel , cobre e arsênio. De acordo com os cientistas, eram as principais indicações de que o gelo era extraterrestre. Uma outra análise foi feita no Centro de Energia Nuclear, CENA, de Piracicaba e em Laboratórios da Petrobrás do Rio de Janeiro confirmando os dados do Cepagri. Não obstante, outra análise foi realizada também pela Central Analítica do Instituto de Quimica, CA-IQ, da Unicamp, utilizando técnicas de Espectrômetro de Massa ,MS por impacto de Elétrons ; Espectroscopia de Infravermelho, IV ; Fluorescência de Raios X , FRX ; e Microscopia óptica . Entre os resultados foi a não identificação em nenhuma das amostras que poderia ser qualificado como “material orgânico” como pequenos insetos ou detritos de vegetais e nem a presença de micro-organismos comprovando assim sua origem espacial.
Uma outra hipótese foi que poderia provir de bloco de gelo com poucas centenas de quilos e alguns metros de diâmetro que bombardeiam a Terra diariamente. Essa teoria foi elaborada pelo físico americano da Universidade de Iowa, Louis Frank durante o congresso da União Astrofísica Americana e mais tarde comprovada por fotografias feitas por satélites da NASA. Ao penetrar esses blocos , com o atrito na alta atmosfera, o gelo desintegra-se misturando-se às nuvens e chega ao solo em forma de chuva. Para Frank, esse bombardeio durante bilhões de anos pode ter formado os oceanos e até trazido carbono suficiente para dar inicio a vida na Terra. Logo após o evento, sendo a área de cometas minha especialidade tendo já publicado um livro a respeito, fui convidado pelo coordenador do Cepagri, Dr. Hilton Silveira Pinto, para acompanhar os trabalhos e numa primeira avaliação defendi a idéia de que o bloco por sua dimensão e composição química, só poderia ter se desprendido do núcleo de um cometa. Portanto um “hidrometeorito cometário” uma vez que o percentual de gelo nesses astros é muito grande.
Mas o evento de Campinas repetiu-se 4 dias depois na vizinha cidade de Itapira quando um segundo bloco com mais de 60 quilos caiu num milharal produzindo uma pequena de 25 centímetros de profundidade e a 20 metros do agricultor Celso Fontes. Sem explicação para o que via, resolveu pedir ajuda ao Cepagri. Atendido pelo Dr. Hilton, ficou sabendo que aquilo não era um fenômeno meteorológico e que o mesmo tinha sido feliz guardando um pedaço do bloco de 5 quilos no freezer de sua geladeira. O achado permitiu saber que os dois blocos tinham uma origem comum e composição idêntica visto que a latitude de Campinas, 22º 54’ era quase a mesma de Itapira 22º 27’. As coordenadas pois dos dois locais e o ângulo de choque aproximadamente de 30 graus no sentido leste-oeste verdadeiro, corroboram uma origem comum. A hipótese dos blocos serem fragmentos de uma meteorito foi praticamente descartada devido a composição rochosa e metálica desses objetos. Sendo assim, não há caso semelhante no mundo e sua definição após 24 anos ainda não foi conclusiva e pelas suas proporções ainda é um mistério.
Nelson Travnik, é astrônomo, responsável pelo Observatório Astronômico de Piracicaba Elias Salum e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.