ASTRONOMIA FORA DAS GRADES - por Nelson Travnik.
MEMÓRIA
ASTRONOMIA FORA DAS GRADES
por Nelson Travnik *
Em nossa vida de astrônomo, deparamos com cenas das mais curiosas e inusitadas vividas nos observatórios, planetários, clubes e associações de astronomia. Elas acontecem também nas demonstrações que muitos clubes realizam em praças públicas e até a beira mar como costumeiramente fazem os sócios do Clube de Astronomia do Rio de Janeiro, CARJ, liderados pelo seu presidente, Carlos Ayres. Eles dariam para compilar em um livro e foi o que fez o saudoso astrônomo Rubens de Azevedo em publicar alguns dos seus casos em “Memórias de um Caçador de Estrelas”. Um deles acredito, é inédito e único no País, demonstrando do que é capaz aquele que faz da Ciência do Céu um sacerdócio. Mas vamos ao que conta Rubens de Azevedo em julho de 1960, quando encontrava-se na qualidade de Diretor da Escola SENAC de Ribeirão Preto, SP, em seu artigo “Vendo Estrelas no Presídio”.
“Um dos nossos professores, homem caridoso, espírita convicto e preocupado com os deserdados da sorte, teve a idéia de levarmos um telescópio à penitenciária, onde ele realizava obra de alto alcance social. Fomos então ao presídio e o Diretor já estava à nossa espera, satisfeito por poder mostrar essa inusitada promoção em seu Relatório. O grande pátio estava cheio de detentos. O Diretor abriu um enorme portão de ferro e nos introduziu juntamente com alguns guardas armados de metralhadoras. Protestei e declarei que só faria a demonstração se os guardas saíssem do pátio. O Diretor tentou argumentar dizendo que se encontravam ali criminosos da mais alta periculosidade e que ele, Diretor, era responsável pela nossa segurança. Fui duro : “ Ou o Senhor manda tirar a guarda ou nada feito”. Ele acabou atendendo e ficamos no pátio, eu, minha mulher, o professor e centenas de detentos. Fomos rodeados pelos presos e não lhes notamos nenhuma intenção malévola. Estavam curiosos isso sim de ver aquela novidade. Projetei uma série de slides, falei sobre o universo – as estrelas , planetas, cometas e as galáxias. Terminei a palestra dizendo-lhes que éramos, no final das contas, todos prisioneiros : eles no presídio e o resto da Humanidade preso a um pequeno planeta solto na imensidão do Cosmos. Passamos, depois, à visão do céu através do telescópio, que montamos no centro do pátio. Através dele, todos contemplaram o planeta Saturno com seus anéis, estrelas duplas e grupos estelares. Os detentos se organizaram, eles próprios na bem organizada fila que já vi. Recebemos abraços de muitos detentos e notei que alguns deles estavam com os olhos marejados, após a contemplação das maravilhas do céu. O Diretor nos fitava com assombro, por detrás do portão. A hora da saída, o Diretor me falou : “Olhe professor, nunca imaginei que tudo decorresse deste modo tão calmo e que os detentos, via de regra truculentos, se portassem tão bem e mostrassem tanta cordialidade. Pelo que vejo, sua Astronomia é uma ciência mágica”.
Referência : Boletim nº 06 ‘Aldebaran’, do Observatório Astronômico Aldebaran, fevereiro de 1996, Fortaleza, CE.
* Nelson Travnik, é diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba,SP e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.