C A M I L L E F L A M M A R I O N (1842-1925).
No Ano Internacional da Luz, a comunidade astronômica celebra
C A M I L L E F L A M M A R I O N
(1842-1925)
por Nelson Travnik*
Astronomia lembra este ano o 90º aniversário do seu desenlace. “O corpo passa. A alma vive no infinito e na eternidade”. (C.Flammarion)
No contexto do Ano Internacional da Luz, proclamado pela ONU-UNESCO, a comunidade astronômica de todo o mundo, especialmente a francesa, estará reverenciando no próximo dia 3 de junho a memória de Camille Flammarion, um dos maiores divulgadores da astronomia de todos os tempos. Astrônomo, sábio e filosofo, o “Mestre de Juvisy”, o “Poeta do Céu”, partiu para a espiritualidade vítima de uma crise cardíaca aos 83 anos, 3 meses e 8 dias. Numa manhã ensolarada onde a vida irradiava nas flores e nos cantos dos pássaros, levantou-se da mesa em que trabalhava com seu sobrinho Charles e aproximou-se da janela para contemplar o jardim do Observatório. Gabrielle Renaudot Flammarion, sua dedicada esposa acompanhou-o e ele, sentindo sua presença, murmurou, balançando a cabeça encanecida : “Como é belo o mundo! Como é bela a vida !” Depois, voltou-se e olhou-a carinhosamente. De repente, seu rosto crispou-se e ele disse apenas : “meu coração” e em seguida “que mistério é a vida, que mistério é a morte”. Tombou nos braços de Gabrielle. Poucos minutos antes, corrigira as provas de seu último livro : “A Morte e seu Mistério”. Foi através da porta mágica da poesia que ele levou para a Estrada de Urânia, milhares de amantes da ciência do céu. Como Prometeu, seu intuito era trazer ao homem comum as luzes do céu e do conhecimento. Amou a música com tamanha devoção a ponto do grande compositor e amigo Camille Saint-Saens declarar um dia que o astrônomo estava a lhe fazer concorrência. Quase todos os astrônomos daqueles séculos foram, mesmo sem o pressentir, “crias” de Flammarion.
Todos os anos no dia 3 de junho, membros da Sociedade Astronômica da França, SAF e admiradores, reúnem-se à volta do seu túmulo no jardim do Observatório, reverenciando sua memória e a grande contribuição à astronomia que mais despertou mentes voltadas ao estudo do céu. Entre seus admiradores estavam o imortal Victor Hugo (1802-1885), o grande músico Camille Saint Saëns (1835-1921) e os imperadores Napoleão III (1808-1873) e D. Pedro II d’ Alcantara (1825-1891) do Brasil. Nosso Imperador, um grande aficionado da astronomia ,foi membro nº 85 da SAF bem como Alberto Santos-Dumont ( 1873-1932), também aficionado e grandes admiradores de Flammarion.
Após receber de presente o livro “Urania’, D. Pedro II foi uma das primeiras personalidades a visitá-lo, atendendo convite para a inauguração do Observatório de Juvisy-sur-Orge em 29 de julho de 1887. Nessa ocasião com uma observação do planeta Vênus, inaugurou a luneta de 24 cm com óptica de Bardou, concedeu a Flammarion a comenda da “Ordem da Rosa” bem como plantou no jardim do Observatório uma muda de cedro do Líbano. Esta árvore existe até hoje e há uma placa alusiva ao simpático gesto do nosso Imperador. Constatei isso quando estive em 17 de setembro de 2011 na reinauguração do Observatório após amplas reformas há muito necessárias. Em março de 1882 fundou a revista L’ Astronomie, que existe até hoje, 133 anos ! Uma efeméride difícil de ser igualada. Em 1887 fundou a Sociedade Astronômica da França, SAF, ainda uma das mais ativas do mundo com milhares de sócios em todo o mundo. É seu primeiro presidente e assume a direção do Boletim Mensal. Em 1879 surge a primeira edição do seu livro “Astronomia Popular”, sua grande obra e que lhe valeu o prêmio Montyon em 1880 concedido pela Academia Francesa. Em 1955 sob direção de sua esposa Gabrielle Camille Flammarion, Secretaria Geral da SAF e de André Danjon, diretor do Observatório de Paris, o livro com 609 páginas é reeditado inteiramente refeito com os conhecimentos atuais da astronomia até aquele ano. Como suplemento ao livro, em 1896 surge “As Estrelas e as Curiosidades do Céu”, uma descrição completa do céu visível a olho nu e de todos os objetos celestes fáceis de observar. O ponto alto do livro com 792 páginas, é a observação de estrelas duplas. Convém lembrar que em 1878 Flammarion havia publicado um Catálogo de Estrelas Duplas Visuais que foi por muito tempo considerado o melhor do mundo. Por essas e muitas outras obras, Flammarion recebeu em 1912 um prêmio da Legião de Honra pela sua contribuição dada a divulgação da astronomia. Em 1899 fundou o Observatório das Sociedades Eruditas . Flammarion escreveu 55 obras de ciência e filosóficas, Atlas Celeste, Carta Celeste, Planisfério Móbil, Carta Geral da Lua, cartas astronômicas e globos da Lua e de Marte. Publicou muitos trabalhos de pesquisa na Academia de Ciências de Paris . É curioso atentar uma relação neste Ano Internacional da Luz com o sobrenome ‘Flammarion’ : na letra e significação galoromana é “aquele que leva a luz”. E realmente levou a luz das estrelas a milhões de pessoas.
REFERÊNCIAS
L’ Astronomie, revista mensal da Sociedade Astronômica da França.
Camille Flammarion, Astronomie Populaire, edição de 1955
Camille Flammarion, Les Etoiles et les Curiosités du Ciel, edição de 1896.
Camille Flammarion, La Pluralité des Mondes Habités, edição de 1921.
Ronaldo R. Freitas Mourão, Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, Editora Nova Fronteira, 1995.
* O autor é diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba, SP, e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França. Fundou em Matias Barbosa, MG, o Observatório Astronômico Flammarion (1954-1976).